Para Gorbachev, Putin leva Rússia "ao passado", mas "democracia prevalecerá"
Matthias Schepp e Christian NeefEm Moscou (Rússia)
A democracia vai prevalecer na Rússia. Não haverá ditadura, apesar de possíveis lapsos de autoritarismo. Nós andamos apenas metade do caminho
Em entrevista ao “Spiegel”, Mikhail Gorbachev, 80, discute os últimos dias da União Soviética, seu fracasso em resolver os problemas com o Partido Comunista e o banho de sangue que se seguiu, que ele diz que o persegue até hoje. Ele também acusa Vladimir Putin de levar o país “para o passado”.
Pergunta: Mikhail Sergeyevich, o senhor completou 80 anos nesta primavera. Como o senhor se sente?
Gorbachev: Ah, que pergunta. Vocês têm que me perguntar isso? Passei por três operações nos últimos cinco anos. Foi bastante duro, porque foram todas grandes: primeiro, a carótida, depois, a próstata e, neste ano, minha coluna.
Pergunta: Em Munique.
Gorbachev: Sim. Foi um procedimento arriscado. Sou grato aos alemães.
Pergunta: Mas o senhor parece bem. Nós o vimos antes da operação.
Gorbachev: Eles dizem que você precisa de três a quatro meses para voltar ao normal após uma operação como essa. O senhor se lembra do livro “The Fourth Vertebra” (“A Quarta Vértebra”, em tradução livre), do autor finlandês Martti Larni? É um livro ótimo. No meu caso, foi a quinta (vértebra). Voltei a andar, mas no início é difícil.
Pergunta: Ainda assim, o senhor já voltou para a política e também às manchetes. Por que o senhor não para e finalmente relaxa?
Gorbachev: A política é meu segundo amor, depois de Raisa.
Pergunta: Sua mulher falecida.
Gorbachev: Nunca vou desistir da política. Tentei desistir três vezes, mas nunca consegui. A política me mobiliza. Não vou durar, se desistir dela. Contudo, nunca pensei que chegaria aos 80. Eu tinha perto da sua idade quando me tornei secretário-geral.
Pergunta: Aos 54.
Gorbachev: Eu já era o mais jovem secretário na liderança do partido em Stavropol. E aqui em Moscou eu era o mais jovem membro do Politburo quando (o ex-secretário-geral Konstantin) Chernenko morreu.
Pergunta: De fato, esperava-se que o senhor se tornaria diretor do partido um ano antes.
Gorbachev: Chernenko estava doente. Ainda assim, eles o elegeram em 1984, e houve rixas e confrontos no Politburo. Eles distribuíram os cargos conforme julgaram adequado, apesar de (Yuri) Andropov...
Pergunta: ...o então secretário-geral e diretor da KGB por muitos anos...
Gorbachev: ...ter escrito, em uma carta ao Plenário do Comitê Central, que ele apoiava Gorbachev.
Pergunta: Talvez o senhor pudesse nos contar os detalhes da reunião decisiva do Politburo após a morte de Chernenko, em março de 1985. Ironicamente, foi o Ministro de Relações Exteriores (Andrei) Gromyko que o nomeou como novo líder do partido. Por que ele fez isso? Ele tinha antipatia e inveja do senhor. Havia outros candidatos?
Gorbachev: Porque Gromyko era uma pessoa muito inteligente e séria. Por que tinha inveja de mim? Não sei. Mas ele reconheceu os sinais dos tempos. Quando Chernenko adoecia, muitas vezes eu era chamado para administrar os trabalhos do Secretariado e do Politburo e me saía bem, e isso não passava despercebido. Assim sendo, posso dizer que Chernenko até me ajudou. Eu ganhei uma experiência importante no processo. Parafraseando um enunciado de Voltaire sobre Deus, eu diria: se Chernenko não existisse, alguém teria que tê-lo inventado.
Pergunta: Também havia importantes rivais que não queriam Gorbachev.
Gorbachev: Sim, alguns. Por outro lado, um grupo de líderes regionais do partido me procurou, enquanto Chernenko ainda vivia, e disse que a velha guarda estava tentando se manter no trono e que, caso o fizessem, iam tirá-los. Eu disse a eles: vamos parar com esse tipo de conversa. Quando Chernenko morreu e a questão da sucessão tinha que ser resolvida, reuni-me com Gromyko 30 minutos antes da reunião crítica do Politburo. Disse a ele: a situação é séria, e as pessoas estão pedindo mudanças. Não pode ser forçada, e pode ser arriscada, até perigosa. Vamos atacar isso juntos. Gromyko respondeu que concordava plenamente comigo. Só nos falamos por cinco minutos. Naquela noite, voltei para minha datcha pouco antes do amanhecer –e fui caminhar com Raisa.
Pergunta: O senhor nunca discutia assuntos importantes com sua esposa dentro de casa?
Gorbachev: Você tinha que sair de casa. Tampouco discutíamos coisas importantes abertamente na datcha. Quando esvaziei nosso apartamento em Moscou após deixar o cargo de presidente, encontraram todo tipo de grampos nas paredes. Ou seja, eles tinham me espionado o tempo todo.
Pergunta: Qual conselho a sua mulher lhe deu naquela noite?
Gorbachev: Eu disse a ela: o novo secretário-geral será eleito hoje, e é possível que eles me nomeiem. Expliquei a ela que não ia recusar, porque as pessoas interpretariam como covardia política.
Pergunta: Senhor Gorbachev, permita-nos um experimento.
Gorbachev: Não participo mais de experimentos.
Pergunta: Este é completamente inofensivo: três ou quatro razões são sempre citadas para explicar por que a sua Perestroica, a renovação da União Soviética, falhou.
Gorbachev: O senhor acaba de dizer “falhou”?
Pergunta: Sim, mas não queremos discutir os termos. Poderíamos usar uma palavra diferente. Vamos lhe dar as razões e pedir um breve comentário. Primeiro: o senhor tratou os sintomas do sistema comunista, mas não foi ao cerne do problema, ou seja, que a economia planejada e o monopólio do partido no poder ficaram intocados por tempo demais. Este não foi o caso?
Gorbachev: Vamos falar de uma coisa de cada vez. Eu faria a Perestroica exatamente da mesma forma hoje. “Não podemos continuar vivendo desta forma”, esse era nosso lema. “Quero mudanças”, dizia a canção de Viktor Zoi, pioneiro do rock russo.
Pergunta: Mas o senhor não tinha um conceito para essas mudanças.
Gorbachev: Se eu tivesse um plano, rapidamente teria ido parar em Magadan.
Pergunta: A capital do gulag stalinista, a 6.000 km de Moscou.
Gorbachev: Vocês dois conheciam bem a União Soviética. Vocês não se lembram do tipo de país que era? Só era preciso uma minúscula piada política para terminar em Magadan. E eu deveria ter um plano de uma equipe de apoio? Primeiro tínhamos que tirar as pessoas do estado de torpor. O partido não precisava de uma Perestroica. Cada um deles estava realizado. O líder do partido distrital era o rei em seu distrito, e o líder regional era um czar, e o secretário-geral era praticamente um Deus. Por isso que precisávamos da glasnost (abertura) primeiro. Era o caminho para a liberdade. Depois, conduzimos as primeiras eleições livres na Rússia em 1.000 anos.
Boris Yeltsin
Pergunta: Contra a vontade do partido. O senhor não era tão crítico deles na época.
Gorbachev: O Partido Comunista Soviético era uma máquina enorme. Em alguma altura, começou a travar as rodas. Ele foi o iniciador da Perestroica, mas depois se tornou seu maior obstáculo. Compreendi que nada ia funcionar sem reformas políticas profundas. Após sofrer uma derrota nas primeiras eleições democráticas, o establishment uniu suas forças e me atacou abertamente em uma reunião da liderança do partido. Foi aí que anunciei minha renúncia e deixei a câmara do plenário.
Pergunta: Mas isso só foi em abril de 1991, oito meses antes do fim da União Soviética. Além disso, o senhor voltou, o senhor se permitiu ser persuadido novamente, em vez de usar o momento para enviar o partido antigo embora.
Gorbachev: Sim, voltei após três horas. Cerca de 90 camaradas tinham feito uma lista para um novo partido Gorbachev, que teria criado uma cisão. Entrei para o Partido Comunista aos 19 anos, quando ainda estava na escola. Meu pai tinha estado na frente de batalha e meu avô era um velho comunista – e eu deveria explodir aquilo tudo? Hoje sei que deveria ter explodido. Mas o homem sentado à sua frente não é um estadista, e sim uma pessoa totalmente normal. Alguém com uma consciência, e essa consciência o tortura constantemente.
Pergunta: A próxima acusação é que o senhor não teve suficiente conhecimento da natureza humana para o cargo. Muitos camaradas cujo avanço o senhor facilitou o traíram mais tarde. Isso também certamente é difícil de negar.
Gorbachev: Vocês de novo! Sim, eu tornei (Vladimir) Kryuchkov diretor da KGB e ele depois fez um golpe contra mim. Mas onde eu ia encontrar um chefe de inteligência? Kryuchkov tinha trabalhado para Andropov por 20 anos, e eu conhecia Andropov. É claro que peguei ele ali, mas não o conhecia muito bem.
Pergunta: (Boris) Yeltsin, que, como presidente da Rússia, mais tarde o expulsou do cargo, era alguém que o senhor conhecia bem.
Gorbachev: Está bem, falemos de Yeltsin. De fato o conhecia. Mesmo quando era líder distrital em Sverdlovsk...
Pergunta: ... que hoje é Yekaterinburg...
Gorbachev: Ele era muito confiante. Quando quisemos trazê-lo para o partido nacional, muitos nos aconselharam contra. Depois, eles o elegeram líder do partido em Moscou. Eu apoiei a medida. Ele é enérgico, e eu precisei de um longo tempo para reconhecer meu erro. Ele era extremamente seduzido pelo poder, presunçoso e sedento por glória, uma pessoa dominante. Ele sempre achava que estava sendo subestimado e se sentia constantemente insultado. Deveria ter sido afastado, recebido o cargo de embaixador em uma república de bananas, onde poderia ter fumado seu cachimbo em paz.
Pergunta: A terceira questão: o senhor é criticado por ter subestimado criminalmente a questão nacional...
Gorbachev: Isso não é verdade. Eu vivia em um país no qual as pessoas falavam 225 línguas e dialetos e onde existiam todas as religiões. Eu cresci no Cáucaso e conhecia bem os problemas.
Pergunta: O senhor realmente não sabia que o exército suprimiu violentamente o movimento de independência em Tbilisi e Vilnius?
Gorbachev: Sim, eu sei, essa acusação me foi feita milhões de vezes. Mas realmente estava acontecendo pelas minhas costas. É claro que isso levanta a questão: que tipo de secretário-geral não sabe nada sobre essas coisas? Essa é a acusação muito mais séria. Tome Vilnius por exemplo. No dia 12 de janeiro de 1991, após os conflitos entre defensores e opositores da independência aumentarem, o conselho federal se reuniu. Eles enviaram uma delegação para Vilnius para encontrar uma solução política. Contudo, na noite anterior a sua chegada, houve confrontos e pessoas foram mortas. Está claro hoje que eram forças da KGB que queriam impedir uma solução política. A situação era similar em Tbilisi.
Pergunta: O seu estilo vacilou entre rigidez e indecisão.
Gorbachev: Dizia-se que a rigidez chinesa era inaceitável e deixar de atirar era sinal de fraqueza. Os dois são absurdos. Você tem que buscar o diálogo até o fim.
Pergunta: Por que o senhor não usou a abordagem chinesa em sua Perestroica: liderança comunista dura mais reformas econômicas capitalistas?
Gorbachev: Cada país é diferente. A China é um bom exemplo, mas as reformas têm que avançar de formas diferentes.
Pergunta: Existe uma teoria que ouvimos muito, mas não conseguimos compreender, ou seja, que a URSS ainda poderia ter se salvado mesmo após o golpe.
Gorbachev: Poderia. O problema foi que chegamos tarde demais para reformá-la. Alguns queriam a federação, mas a maioria das repúblicas queria um Estado unido com elementos de uma confederação. Então eu propus um referendo. Quando votamos a proposta, Yeltsin bateu na mesa com raiva. Ele era contra, é claro. Ele anunciou abertamente que não ia mais trabalhar com Gorbachev e que eles tinham que se separar de mim. Aí veio o referendo, e as pessoas me apoiaram.
Pergunta: Setenta e seis por cento.
Gorbachev: Isso significa que a união foi destruída contra a vontade das pessoas e de forma deliberada - com a participação da liderança russa por um lado e dos putschists, pelo outro.
Cansado e no limite
Pergunta: O senhor sempre buscou diálogo, provavelmente por tempo demais. Quando os presidentes da Rússia, da Ucrânia e da antiga Bielo-Rússia, atual Belarus se reuniram perto de Brest em dezembro de 1991 e desferiram um golpe contra a URSS pelas suas costas, o vice-diretor da chancelaria presidencial o aconselhou a enviar dois ou três helicópteros com uma unidade especial e colocar os três homens sob prisão domiciliar. Essa teria sido uma opção? O senhor tinha os resultados do referendo do seu lado.
Gorbachev: Não foi assim. Yeltsin tinha discutido a viagem para a atual Belarus comigo e disse que também queria convidar o presidente ucraniano, (Leonid) Kravchuk. Ele disse que seria difícil convencer os ucranianos a participarem do novo acordo de união depois do referendo em Kiev sobre a independência. Eu argumentei que isso não os impediria de assinar o acordo. Afinal, todas as outras repúblicas já tinham declarado sua independência, como sinal de maior soberania. Então, Yeltsin perguntou: mas o que acontece se os e ucranianos se recusarem a assinar o novo acordo? Eu respondi que eles com certeza assinariam, mas que era uma decisão para o parlamento ucraniano e que Moscou não se oporia a independência da Ucrânia. Depois, eu o lembrei que quando voltasse, deveria haver uma reunião para a qual eu já havia convidado os presidentes da Ucrânia, Belarus e Cazaquistão. Yeltsin e seus partidários de fato estavam agindo como conspiradores secretos contra a constituição. Quando isso ficou claro, eu disse imediatamente que três pessoas apenas não poderiam dissolver a união.
Pergunta: O senhor está dizendo que o senhor não poderia ter usado força contra os três presidentes?
Gorbachev: Isso poderia ter levado a uma guerra civil, o que era para ser evitado a todo custo. O país estava em estado de choque. A imprensa estava em silêncio e ninguém saía para as ruas para defender a união. O povo estava confuso. Eles não compreendiam que tipo de “comunidade de Estados independentes” Yeltsin e seus aliados tinham proposto. Parecia inofensivo, como alguma coisa que daria maior liberdade para as repúblicas da união. Foi só mais tarde que eles compreenderam que este grande país tinha implodido. Mesmo hoje, a maioria das pessoas diz que se arrependem do fato da URSS ter desmoronado. Porém, apenas 9% dizem que gostaria que voltasse.
Pergunta: Hoje em dia, a maior parte das pessoas, inclusive nos EUA e na Alemanha, alega que teria defendido a preservação da União Soviética.
Gorbachev: Porque elas não sabiam se as partes iam virar um caos após a dissolução. O que tinha ocorrido antes disso? O presidente Bush segurou os ucranianos, apesar de outros em Washington já estarem esfregando as mãos, até mesmo trabalhando secretamente pela nossa queda. Quando eu fui para a reunião de cúpula do G-, em julho de 1991, e pedi empréstimos para lidar com a difícil situação econômica, os americanos e japoneses se opuseram, enquanto (o chanceler alemão) Helmut Kohl não disse nada. Somente (o então presidente da França, François) Mitterand, e a comissão europeia me apoiaram.
Pergunta: Kohl se opôs? Não é isso o que ele diz hoje.
Gorbachev: O que eu disse foi que ele ficou em silêncio. (O ministro de relações exteriores alemão Hans-Dietrich) Genscher foi a favor. Nós esperávamos US$ 30 bilhões, mas foi em vão. Nossos parceiros não tiveram visão.
Pergunta: Aí veio o golpe. Mas os americanos já o haviam advertido antes - dois meses antes, de fato. Eles tinham até dado os nomes, inclusive do chefe da KGB Kryuchkov. Verdade?
Gorbachev: Bush ligou. Ele se referiu a informações do prefeito de Moscou, Gavriil Popov.
Pergunta: O senhor não acreditou nele?
Gorbachev: Os conservadores tinham anunciado várias vezes que queriam se livrar de Gorbachev, e eles já haviam tentado em vários comitês, mas sem sucesso. Então, criamos um programa contra crises, patrocinado por todas as repúblicas. Um novo tratado de união foi assinado no dia 20 de agosto e um congresso extraordinário ia reformar o partido. Os opositores da Perestroica tinham sofrido uma derrota, então organizaram o golpe.
Pergunta: E o senhor decidiu sair de férias para a Crimeia em uma hora dessas?
Gorbachev: Achei que seriam idiotas de assumir tal risco precisamente naquele momento, que também os varreria do mapa. Mas infelizmente, eles eram verdadeiros idiotas e destruíram tudo. E nós nos provamos semi-idiotas, inclusive eu. Eu estava exausto após todos aqueles anos. Eu estava cansado e no meu limite. Mas eu não deveria ter ido embora. Foi um erro.
Pergunta: O que seria melhor hoje se a URSS ainda existisse?
Gorbachev: Isso não está claro para vocês? Tudo teria crescido junto durante as décadas: cultura, educação, língua, economia, tudo. Eles estavam construindo carros nas repúblicas bálticas e aviões na Ucrânia. Até hoje não conseguimos nos virar sozinhos. E uma população de 300 milhões também era um bônus.
Pergunta: Existem outras coisas que o senhor fez que ainda o atormentam até hoje?
Gorbachev: Meu objetivo era evitar um banho de sangue. Mas infelizmente, no final das contas, houve certo banho de sangue. Também me atormenta o fato de não ter resolvido o problema com o Partido Comunista na época. E de ter subestimado o fato de que as outras repúblicas nacionais queriam decidir questões relativas às suas próprias vidas sozinhas, sem ninguém do governo central se envolvendo. Agora, elas têm essa possibilidade.
Pergunta: Pulemos no tempo para a Rússia de hoje. Quando Putin assumiu, no ano 2000, o senhor o apoiou. O senhor já o conhecia?
Gorbachev: Ele me ajudou quando eu concorri nas eleições presidenciais de 1996.
Pergunta: Na época, o senhor dizia que ele era inteligente e agora diz que, sob sua liderança, a Rússia passou a se parecer um país africano, onde os ditadores governam por 20 a 30 anos. O que o senhor subitamente acha tão reprovável nele?
Gorbachev: Cuidado, vocês é que estão usando a palavra “ditador”. Eu apoiei Putin durante sua presidência, e ainda o defendo de muitas formas hoje.
Pergunta: O senhor pediu a ele que não concorresse à presidência novamente.
Gorbachev: O que me preocupa é o que o partido Rússia Unida, de Putin, e o governo estão fazendo. Eles querem preservar o status quo. Não há avanço. Pelo contrário, eles estão nos puxando para o passado, enquanto o país está precisando urgentemente de modernização. Algumas vezes, o partido da Rússia Unida me lembra o antigo Partido Comunista Soviético.
Pergunta: Putin e o presidente Dmitry Medvedev querem decidir entre eles quem será o próximo presidente em 2012.
Gorbachev: Putin quer ficar no poder, mas não para resolver nossos problemas mais urgentes: educação, saúde, pobreza. O povo não está sendo ouvido e os partidos são marionetes do regime. Os governadores não são mais diretamente eleitos. Eliminaram as eleições diretas. Hoje, tudo funciona pelas listas do partido. Mas novos partidos não têm permissão de funcionar, porque atrapalham.
Pergunta: Como o partido social democrático que o senhor tentou fundar várias vezes.
Gorbachev: E ainda assim precisamos de novas forças para trazer progresso ao país. E precisamos de partidos que unam os interesses políticos e econômicos, que possam alcançar uma parceria social e garantir um desenvolvimento democrático.
A democracia ainda prevalecerá
Pergunta: Medvedev, aparentemente liberal, algumas vezes é comparado ao senhor. O senhor acha a comparação justificável?
Gorbachev: As comparações são enganosas. Medvedev é um homem educado e está ganhando experiência. Mas ele precisa de forças nas quais se sustentar.
Pergunta: Como vai terminar o processo que o senhor iniciou em 1985 na Rússia? O país vai se tornar uma democracia, os nacionalistas vão assumir o poder ou os comunistas voltarão?
Gorbachev: Será difícil, até doloroso, mas a democracia vai prevalecer na Rússia. Não haverá ditadura, apesar de possíveis lapsos de autoritarismo. Isso porque nós andamos apenas metade do caminho, ao menos em minha opinião.
Pergunta: Mikhail Sergeyevich, vamos olhar para o período após a sua renúncia. O senhor concorreu à presidência novamente em 1996, mais conseguiu apenas 0,5% dos votos. Somente alguém que não avaliou realisticamente o ambiente no país estaria disposto a passar por uma candidatura desta forma.
Gorbachev: Por quê? Como você sabe quantos votos eu realmente tive? Um dos aliados de Yeltsin disse publicamente que, de acordo com as suas informações, eu tive 25% dos votos. Com efeito, eu tive 15%. Na manhã após as eleições, um dos meus delegados me ligou de Orenburg e disse que eu estava pouco abaixo de 7%. Naquela noite já estava com 0,65%. O que foi que Stálin disse? O mais importante é aquele que conta os votos.
Pergunta: Nos últimos anos, o senhor passou muito tempo na estrada como uma espécie de vendedor ambulante, efetivamente vendendo seu passado e fazendo muito dinheiro com isso. O senhor dá palestras, aparece em propagandas de bens de luxo da Louis Vuitton e abre bancos e lojas de móveis. Esse é um comportamento adequado para um homem que mudou o mapa político do século 20?
Gorbachev: Espere um pouco. Vamos examinar o que as pessoas consideram moralmente correto, inclusive vocês alemães. Sim, eu dou palestras e escrevo artigos. Vocês preferem alguém que rouba em segredo ou alguém que abertamente procura a Louis Vuitton? Na Rússia, há pessoas que fazem seu dinheiro de forma criminosa, mas eu ganho tudo o que tenho licitamente. De que outra forma minha fundação deve funcionar? O governo não nos dá nenhum centavo.
Pergunta: O senhor patrocina o resto com seus livros?
Gorbachev: Acabo de terminar meu 13º livro, um livro de memórias completamente privadas. E em breve será publicada uma coleção de 25 volumes das obras. Logo vocês estarão me chamando de “especulador”.
Pergunta: Metade de Moscou o critica pelo evento de gala feito no Royal Albert Hall em Londres, no final de março, para celebrar o seu 80º aniversário.
Gorbachev: Deixe-me esclarecer: primeiro, nós celebramos aqui em Moscou no dia 2 de março, com um grupo de pessoas próximas a mim. Não era um grupo pequeno, cerca de 200 pessoas.
Pergunta: Mas ninguém do Kremlin.
Gorbachev: O presidente e o primeiro-ministro da Rússia enviaram suas congratulações. E eu fui condecorado com a mais alta das medalhas, a ordem de St. Andrew. O evento beneficente ocorreu em Londres um mês depois. Foi uma iniciativa organizada pelos meus amigos e Irina.
Pergunta: A sua filha, que é vice-presidente da sua fundação.
Gorbachev: Um prêmio Gorbachev foi inaugurado na oportunidade.
Pergunta: Por que tantos russos o odeiam?
Gorbachev: Não tenho essa impressão. Pelo contrário: eu me senti apoiado durante todos esses anos difíceis.
Pergunta: Mikhail Sergeyevich, agradecemos por esta entrevista.
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