Há tempos que vinha planejando escrever de novo aqui, mas as ideias se sucedem numa velocidade maior que minha capacidade de execução. Aliás, não o fazem sempre? Porém, admito que uma certa indisciplina de minha parte não ajuda. Nos últimos anos, tenho sido mais um acumulador de leituras fragmentadas e inspirações esquecidas do que disciplinado monge medieval, mergulhado em constante estudo e meditação, que gostaria de incorporar. Cheguei a pensar que a entrada no doutorado me daria o impulso para isso, a descoberta do meu Roger Bacon interior, mas infelizmente percebi que não. A bem da verdade, dedico mais tempo aos textos e temas que eu mesmo prescrevi aos meus alunos de graduação que àqueles que viriam a compor minha futura tese. (Às vezes, gostar muito do próprio trabalho pode ser desvantajoso...)
Seja como for, o fato é que, lecionando e estudando permanentemente, não posso reclamar de tédio intelectual. Ter sempre vários assuntos com que entreter a própria curiosidade é um privilégio, ainda que signifique alguma possível sobrecarga cognitiva debilitante no futuro (ou não...). Divido com vocês alguns dos assuntos que me têm interessado recentemente.
O primeiro é uma inusitada e fascinante Oficina de Diários, com o Prof. Sérgio Barcellos (PUC-RJ). Soube dela por acaso, graças ao email de uma amiga, e decidi me inscrever na última hora. Até então, não sabia que existiam estudos acadêmicos a respeito da prática diarística, que tanto me encanta na literatura e na história. Lembrei-me imediatamente do meu primeiro contato com o famoso Diário Íntimo de Amiel, e da curiosidade imensa que esse tipo de registro desperta. E apesar das aulas, do doutorado e tantas outras coisas, decidi experimentar por puro prazer. Tem valido muito a pena. É ótimo conviver com pessoas de áreas diferentes, unidas por um interesse comum real e não uma obrigação acadêmica ou de trabalho, e a abordagem dada pelo professor, que é de Letras, é muito leve e agradável. No último encontro, por exemplo, ele levou uma professor de Ensino Fundamental que experimentou uma oficina de escrita pessoal -- o termo mais "técnico" para o diário -- com alunos de nono ano, de 14 a 15 anos. O resultado foi surpreendente, tocante até, uma versão mais suave da experiência retratada no filme Escritores da Liberdade.
Também retirei da prateleira meu quase septuagenário exemplar de Varieties of the Religious Experience, de William James. É um livro de bolso, capa dura, integrante da famosa Everyman's Library, e tenho um carinho especial por ele, por suas páginas tão bem conservadas para sua idade e a fácil portabilidade -- nem sei bem por que razão comprei uma edição mais nova em brochura. Nunca terminei a leitura, como já é praxe, mas James tem uma prosa tão envolvente, e o assunto por si mesmo -- um olhar científico sobre os padrões das experiências e sentimentos espirituais -- é tão apaixonante que jamais esqueço inteiramente essa obra. O caráter do místico, o desapego e a suprema confiança dos santos, as turbulências e angústias existenciais que precedem algumas conversões, tudo está lá, com mais outros tantos tópicos de interesse. Revisitá-lo foi muito prazeroso, e, dado o assunto, também uma forma de obter certo conforto e orientação. Nas citações frequentes que faz, James acaba apresentando o leitor a uma profusão de obras e testemunhos (de fontes cristãs, em geral), os quais, sozinhos, já valeriam o livro. Recomendo a todos, religiosos ou não.
Também andei incursionando pela trilha larga e florida do conhecimento ao estilo fast-food: comprei alguns volumes da divertida coleção Filósofos em 90 minutos, de Paul Strathern e publicada pela Zahar. Iniciado na filosofia por Will Durant, Bertrand Russell e a biblioteca do colégio, recorri a Strathern para tratar daqueles filósofos de que sempre ouvira falar mas sobre quem nunca li nada específico, ou, já que era uma promoção na livraria, como forma de pegar algum conceito mais célebre e me divertir no processo. Depois de encarar Wittgenstein -- de quem o autor enfatiza mais a loucura, quase a ponto de desqualificá-lo como pensador real -- e Foucault -- finalmente entendi o que é episteme! --, passei a Derrida. É espantoso como até um resumo bem-humorado sobre ele consegue ser difícil, o que torna o sucesso da French Theory nas plagas não-europeias ainda mais duro de compreender. Talvez seja verdade que, de uns tempos para cá, a obscuridade seja a chave do sucesso na Filosofia. Ainda me lembro bem dos textos de Deleuze e similares que passaram na faculdade de Comunicação, e de como o fruto desse esforço não foi exatamente significativo. Até hoje tenho certa antipatia instintiva à prosa enrolada de filósofos franceses, pois tenho para mim que textos labirínticos frequentemente são um disfarce para a falta de conteúdo. Talvez tenha sido esse o maior legado do curso de jornalismo, afinal.
Finalmente, assisti Alô, alô, Terezinha, o documentário de Nelson Hoineff sobre Chacrinha. Foi uma viagem de volta aos tempos de infância, e um bom motivo para gargalhadas. O ponto alto do filme são as entrevistas com os antigos calouros, um mais folclórico que o outro. Também muita atenção é dada às chacretes, e é interessante ver como os depoimentos delas se contradizem no que diz respeito às suas relações com as celebridades que cantavam ou produziam o programa. Mas senti falta de uma maior atenção ao Russo, o assistente de palco mais famoso da Globo e braço-direito de Chacrinha. Também acho que poderia ter aparecido mais da história do próprio personagem central. Seja como for, é entretenimento de primeira ordem.
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