terça-feira, fevereiro 28, 2006

A origem (e o fim) das louras

Ora, então o excesso de civilização levou o que era uma vantagem reprodutiva a perder o sentido... Quem diria que os alegados atrativos dos pigmentos claros seriam vencidos pelo tédio da social-democracia escandinava e seus vizinhos...
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The Sunday Times February 26, 2006

Cavegirls were first blondes to have fun
Roger Dobson and Abul Taher

THE modern gentleman may prefer blondes. But new research has found that it was cavemen who were the first to be lured by flaxen locks.

According to the study, north European women evolved blonde hair and blue eyes at the end of the Ice Age to make them stand out from their rivals at a time of fierce competition for scarce males.

The study argues that blond hair originated in the region because of food shortages 10,000-11,000 years ago. Until then, humans had the dark brown hair and dark eyes that still dominate in the rest of the world. Almost the only sustenance in northern Europe came from roaming herds of mammoths, reindeer, bison and horses. Finding them required long, arduous hunting trips in which numerous males died, leading to a high ratio of surviving women to men.

Lighter hair colours, which started as rare mutations, became popular for breeding and numbers increased dramatically, according to the research, published under the aegis of the University of St Andrews.

“Human hair and eye colour are unusually diverse in northern and eastern Europe (and their) origin over a short span of evolutionary time indicates some kind of selection,” says the study by Peter Frost, a Canadian anthropologist. Frost adds that the high death rate among male hunters “increased the pressures of sexual selection on early European women, one possible outcome being an unusual complex of colour traits.”

Frost’s theory, to be published this week in Evolution and Human Behavior, the academic journal, was supported by Professor John Manning, a specialist in evolutionary psychology at the University of Central Lancashire. “Hair and eye colour tend to be uniform in many parts of the world, but in Europe there is a welter of variants,” he said. “The mate choice explanation now being put forward is, in my mind, close to being correct.”

Frost’s theory is also backed up by a separate scientific analysis of north European genes carried out at three Japanese universities, which has isolated the date of the genetic mutation that resulted in blond hair to about 11,000 years ago.

The hair colour gene MC1R has at least seven variants in Europe and the continent has an unusually wide range of hair and eye shades. In the rest of the world, dark hair and eyes are overwhelmingly dominant.

Just how such variety emerged over such a short period of time in one part of the world has long been a mystery. According to the new research, if the changes had occurred by the usual processes of evolution, they would have taken about 850,000 years. But modern humans, emigrating from Africa, reached Europe only 35,000-40,000 years ago.

Instead, Frost attributes the rapid evolution to how they gathered food. In Africa there was less dependence on animals and women were able to collect fruit for themselves. In Europe, by contrast, food gathering was almost exclusively a male hunter’s preserve. The retreating ice sheets left behind a landscape of fertile soil with plenty of grass and moss for herbivorous animals to eat, but few plants edible for humans. Women therefore took on jobs such as building shelters and making clothes while the men went on hunting trips, where the death rate was high.

The increase in competition for males led to rapid change as women struggled to evolve the most alluring qualities. Frost believes his theory is supported by studies which show blonde hair is an indicator for high oestrogen levels in women.

Jilly Cooper, 69, the author, described how in her blonde youth she had “certainly got more glances. I remember when I went to Majorca when I was 20, my bum was sore from getting pinched”.

However, Jodie Kidd, 27, the blonde model, disagrees with the theory: “I don’t think being blonde makes you more ripe for sexual activity. It’s much more to do with personality than what you look like. Beauty is much deeper than the colour of your hair.”

Film star blondes such as Marilyn Monroe, Brigitte Bardot, Sharon Stone and Scarlett Johansson are held up as ideals of feminine allure. However, the future of the blonde is uncertain.

A study by the World Health Organisation found that natural blonds are likely to be extinct within 200 years because there are too few people carrying the blond gene. According to the WHO study, the last natural blond is likely to be born in Finland during 2202.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

A nova direita brasileira

Folha de S. Paulo, 15/02/2006.


Vista como "raivosa" por representantes da esquerda, a nova direita cresce com a crise do PT e age como se chegasse a sua vez



Direita, volver!


MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

EDITOR DA ILUSTRADA



RAFAEL CARIELLO

DA REPORTAGEM LOCAL



De repente passou a ser bacana o sujeito, numa festa ou numa mesa de bar, rodopiar a taça de vinho e desfilar frases do tipo "essa canalha bolchevique do PT não sabe nem falar português", seguidas de elogios à atuação de George W. Bush no Iraque ou de incursões "teóricas" das quais a principal lição a ser retirada é que só é pobre quem quer.


Cada vez mais à vontade no país que se seguiu à estabilização monetária e, principalmente, ao tombo ético da administração petista, uma nova direita esbalda-se no Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva.


Foi-se o tempo em que a direita parecia se concentrar sobretudo na economia -cujo "bunker" é a PUC do Rio, hegemônica na área desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.


Com rosto mais "cultural", na imprensa, articulistas como Diogo Mainardi, da revista "Veja", Reinaldo Azevedo, da revista-site "Primeira Leitura", e Nelson Ascher, desta Folha, encarnam a renovação da tendência. São as versões atualizadas de intelectuais como o "decano" Olavo de Carvalho [leia entrevista na página seguinte] ou de polemistas como José Guilherme Merquior (1941-1991) e Paulo Francis (1930-1997).


Antes "oprimida" pela hegemonia cultural de esquerda -vigente no país desde pelo menos a década de 60-, a nova direita foi crescendo em desembaraço e afetação à medida que a esquerda, golpeada por crises, enfiava o rabo entre as pernas e se via representada por figuras duvidosas, como as do PT, anacrônicas, como Fidel Castro, ou patéticas, como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez (é preciso reconhecer que o material é estimulante).


Para o pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) Marcos Nobre, identificado com a esquerda, o fenômeno "está apenas começando". Ele acredita que os novos arautos da direita se unem numa atitude "raivosa" e também num discurso sedutor. Mas é nas suas linhas mais sofisticadas, diz ele, representadas por nomes como o do economista Eduardo Giannetti, que mora o "perigo" maior.


Já para Reinaldo Azevedo, o perigo são os esquerdistas, que se mostram dispostos a sacrificar a legalidade, mesmo a democrática, em nome de um entendimento peculiar do que seja justiça social. "Eu fico com a legalidade. Nesses termos, eu seria da direita democrática". E acrescenta, provocando: "Se quiserem, no entanto, que eu defenda juros reais de 13% ao ano, podem tirar o cavalo da chuva. Essa direita é o Lula".


O poeta e tradutor Nelson Ascher, colunista da Folha, diz repelir rótulos ideológicos, mas considera que não é um equívoco ser chamado de "direita", se forem seguidas "as regras que aqueles que se denominam "de esquerda" usam para classificar opiniões diferentes". Para ele, "se a religião já foi apelidada de "o ópio do povo", o esquerdismo é o jeans da intelectualidade".


Marcos Nobre considera que o tom adotado por essa vertente revela uma espécie de identificação com o agressor. "Acho que eles apanharam tanto da esquerda, que dizem: "Agora é a nossa vez"." Ele vê nesse traço o reflexo de uma crença "revolucionária" da nova direita, que trataria de impor ao Brasil, pela primeira vez na história (segundo seu julgamento), um choque de capitalismo.


"A lógica é que eles se consideram a vanguarda de uma coisa nova no Brasil, que é o capitalismo. Por isso são tão raivosos", diz. Mas ele considera que há "um lado extremamente positivo, que é a consolidação da democracia. É uma direita que legitimamente pode mostrar sua cara."


A opinião é compartilhada em parte por João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada na Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). "Trata-se de fenômeno positivo para o ambiente democrático. Afinal, durante décadas, houve uma hegemonia quase incontestada do pensamento de esquerda. Assim, bastava empregar o tom "adequado" para ser considerado um intelectual "engajado", portanto, na posição "correta'", diz.


Mas ele vê problemas com os argumentos dos novos direitistas. "Hoje o que vemos predominar são comentários raivosos e ressentidos, como se os casos de corrupção do PT legitimassem a pilhagem do Estado brasileiro realizada por décadas pelos partidos políticos conservadores. E o nível intelectual? Não há nenhuma comparação possível com o alto calibre de [Mario Henrique] Simonsen, Roberto Campos e [José Guilherme] Merquior."


Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne, também de esquerda, concorda com Castro Rocha e Nobre ao considerar que o governo Lula foi responsável pelo fortalecimento desse discurso.


"Razões para criticar não faltam", diz Nobre. "A atuação raivosa vem de antes. Mas no governo Lula é sopa no mel. Mistura tudo, até preconceito de classe."


Castro Rocha é mais duro com os petistas. "Em medida maior do que talvez desejássemos, a força do discurso da direita é uma conseqüência direta da crise política, que é especialmente uma crise simbólica. Ora, se um partido como o PT pôde fazer o que fez, então como impor uma barreira ética à voragem histórica da direita brasileira?"


E Giannetti, o "perigoso"? De cara, o economista, professor do Ibmec São Paulo, rejeita toda classificação desse tipo. "Isso é um cacoete intelectual brasileiro -achar que vai desqualificar o pensador atribuindo a ele um rótulo. A minha disposição é discutir problemas e idéias. Não acho que dê para resumir a complexidade de um pensador reduzindo tudo a um rótulo."

Ele, no entanto, critica a esquerda. "No Brasil, todas as pessoas que eu conhecia se imaginavam de esquerda, revolucionárias, ultraprogressistas, e no entanto a realidade é essa que está aí. Acho que essa história de as pessoas se imaginarem de esquerda no Brasil é que é um tremendo auto-engano. É muito gostoso ficar posando de esquerdista e achando que está com as idéias mais avançadas da sua época. Muitos intelectuais brasileiros nutriram durante muito tempo essa fantasia." "A esquerda no Brasil se confundiu muito com o populismo. Com a idéia de que existe um atalho indolor para o crescimento econômico."


A difusão de um novo discurso contrário à esquerda vai produzir mudanças no meio cultural? Reinaldo Azevedo gostaria, mas acredita que não. "Diretores de teatro e de cinema continuarão a pregar a revolução com o patrocínio da Petrobras, que nos arranca o couro com o seu monopólio, mas patrocina proselitismo ideológico para as classes médias mais ou menos intelectualizadas. No país em que se tem uma esquerda dessas, quem tem um olho logo vira direitista", diz.


Regime militar ainda é um estigma


DA REPORTAGEM LOCAL



A direita ameaça sair do armário, mas o problema é: com que roupa? Ainda é forte no país a percepção de que a farda militar de outros tempos lhe cai bem.

Mesmo seus mais notórios representantes traduzem essa dificuldade com a hesitação em assumir o rótulo. Embora a esquerda tenha forte tradição autoritária, décadas de regime militar no Brasil terminaram por criar uma relação quase automática entre direita e ditadura.

Não à toa, o filósofo Denis Lerrer Rosenfield [leia entrevista na página ao lado] repele a caracterização, para depois se dizer da "direita moderna". "As pessoas ficam identificando a direita com regime militar. Aí não dá, né?"

Um dos traços que unificam essa nova corrente, no entanto, é justamente a defesa das liberdades e dos direitos individuais. "Se ser de direita significa defender as liberdades, então sou de direita", diz Rosenfield. "E por liberdades quero dizer as liberdades políticas, de opinião, de expressão, econômica e direitos civis."

O colunista da "Veja" Diogo Mainardi acha difícil ser enquadrado na classificação de nova direita. Ele se diz apenas um antilulista. "Amolo o governo, só isso." O jornalista Reinaldo Azevedo, da revista-site "Primeira Leitura", embora aceite o rótulo "direita democrática", não quer ser confundido com uma direita genérica. O mesmo se aplica ao colunista da Folha Nelson Ascher.


DIREITA, VOLVER!



Para o filósofo Olavo de Carvalho, é hora de criar uma alternativa partidária realmente conservadora no país



"O povo brasileiro é maciçamente de direita"


LAURA CAPRIGLIONE

DA REPORTAGEM LOCAL



Talvez a obra mais conhecida do filósofo Olavo de Carvalho, 58, seja a edição do site Mídia sem Máscara ( http://www.midiasemmascara.org), há anos na rede para denunciar o que chama de "viés esquerdista da grande mídia brasileira".

Carvalho hoje escreve no "Diário do Comércio", órgão da Associação Comercial de São Paulo. Escreve à distância. Desde maio de 2005, mora em Richmond, a duas horas de Washington. É na capital americana que, duas vezes por semana, garimpa material para o livro "A Mente Revolucionária", em que pretende dissecar o pensamento moderno de esquerda. "Um grupo de empresários do Paraná me deu uma verbinha para eu terminar o livro", explicou.





Folha - O que aconteceu com a esquerda no Brasil?

Olavo de Carvalho -
Para começar, eles criaram esse mito de que são santos, de que têm o monopólio da bondade humana. De repente, o Brasil inteiro vê que não é nada disso. É uma decepção tremenda, mas era óbvio que isso ia acontecer. Você não pode colocar um sujeito que é inteiramente analfabeto na Presidência, burro desse jeito, sem critério. Ele não sabe a diferença entre certo e errado, entre bem e mal, então é claro que ia ser essa sem-vergonhice.


Folha - A alternativa, então é...

Carvalho -
O PSDB é que não é. O PSDB é um partido da Internacional Socialista que está comprometido com o globalismo de esquerda, com todos esses valores politicamente corretos. É a direita da esquerda. No Brasil, infelizmente, a política ficou reduzida a isso: uma luta entre a esquerda da esquerda e a direita da esquerda. Quem é conservador mesmo não se deixa enganar por PSDB.


Folha - Não há ninguém no PSDB que sirva?

Carvalho -
Veja o Geraldo Alckmin. Ele aprovou uma lei que multa o rabino que ouse expulsar de sua sinagoga uma drag queen. Mesmo que ela tenha entrado lá só para provocar. Quem faz uma lei dessas não é conservador. É politicamente correto.


Folha - Como o senhor interpreta a versão petista de que é vítima de uma conspiração da direita?

Carvalho -
O surgimento de um pensamento de direita, qualquer sinalzinho, já deixa esse pessoal aterrorizado: eles já se vêem todos na cadeia. Fica um negócio paranóico. Mas a verdade é que o pensamento conservador no Brasil ainda é uma raridade. Existiu em Joaquim Nabuco, em João Camilo de Oliveira Torres, em Minas Gerais, em Gilberto Freyre, em Pernambuco. Mas é pouca coisa. A tradição cultural do Brasil é toda de esquerda. Não há um movimento intelectual conservador. Eu acho que sou o primeiro cara que está tentando fazer isso.


Folha - Do jeito que o senhor está falando, parece que o Brasil é um paraíso da esquerda...

Carvalho -
É até engraçado, porque o pessoal de esquerda vive dizendo que a burguesia cria seu aparato cultural e ideológico. Só que a esquerda convenceu a burguesia a financiar o aparato ideológico esquerdista. Durante a ditadura já era assim. As universidade eram todas de esquerda, as instituições culturais idem.


Folha - Será que a fraqueza do pensamento conservador não reflete a dificuldade de convencer alguém de que é bom conservar as coisas do jeito que são no Brasil?

Carvalho -
O resultado do referendo sobre as armas, o apoio de parcela expressiva da população à pena de morte e outras indicações mostram que o povo brasileiro é maciçamente de direita no que se refere a cultura, moral, costumes. Mas, como só existem partidos de esquerda, acaba-se votando na esquerda. É hora de criar uma opção partidária de direita. Um verdadeiro partido conservador não tem de defender apenas o livre mercado, mas tem de defender um estilo de vida.


Folha - Qual seria o programa de um verdadeiro partido de direita no Brasil?

Carvalho -
1. Anticomunismo. Não queremos comunismo na América Latina. Tchau, tchau e bênção. Adeus, Fidel Castro; adeus, Hugo Chávez, não queremos nada disso; 2. Livre empresa e respeito à propriedade; 3. Moral judaico-cristã; 4. Educação clássica. As pessoas têm de ter os valores fundamentais da civilização; 5. A verdadeira liberdade de discussão. 50% a 50%. Equilíbrio entre as correntes.


Folha - Como é repudiar o comunismo, Cháves e Fidel, e ser favorável a um equilíbrio entre as corrente de direita e esquerda?

Carvalho -
Uma coisa é ser de esquerda, e outra coisa, bem diferente, é essa tradição marxista, comunista. Isso tem de acabar. Porque se trata de ideologia genocida, criminosa.


A esquerda prepondera, diz Rosenfield


UIRÁ MACHADO

COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS



No começo da entrevista, o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, 55, titubeou ao ser questionado se suas idéias são de direita. "Se for algo pejorativo, é um equívoco completo", disse. Depois, fez questão de procurar a reportagem para acrescentar que sim, é de direita. Mas que fique claro: ele fala de uma "direita moderna".

Professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e editor da revista "Filosofia Política", Rosenfield está entre os que vêem espaço para o surgimento de uma nova direita, desvinculada das idéias de um Estado totalitário e corrupto e identificada com a boa gestão administrativa e a defesa das liberdades.

A seguir, trechos da entrevista.





Folha - O sr. considera um equívoco ou um acerto suas idéias serem classificadas como de direita?

Denis Rosenfield -
Se se trata de algo pejorativo, e, portanto, a pessoa está querendo me agredir, é um equívoco completo. No fundo, direita ou esquerda, hoje, são conceitos relativos. Não têm maior conteúdo ideológico. Mas o que ocorre é que, no Brasil, havia e há ainda uma preponderância do pensamento de esquerda marcado pela influência petista. Mas o PT no governo mostrou que essa esquerda não tinha idéia nenhuma. Frente a essa questão, se coloca a necessidade de uma direita moderna.


Folha - Como ela seria?

Rosenfield -
Definiria assim: economia de mercado, Estado de Direito, democracia representativa, Estado menor e menor carga tributária. E acrescentaria um ponto fundamental: no mais amplo reino de liberdades. E isso não se confunde minimamente com selvageria ou com barbárie.


Folha - O escândalo do "mensalão" abriu espaço para essa direita moderna intensificar seu discurso?

Rosenfield -
Certamente. Mas, para que esse discurso da direita moderna se fortaleça, ele precisa de uma bandeira ética, de defesa da moralidade. Identificar a direita com a corrupção é um despropósito completo. No Brasil, a questão da corrupção está vinculada a um outro problema que eu considero central: o tamanho do Estado e a questão dos impostos.


Folha - Mas não é mais "defensável" um Estado que dê sustento à população do que um Estado que deixe as pessoas ao deus-dará?

Rosenfield -
Estou de acordo. Mas eu não estou defendendo a idéia de que o Estado enxuto vai deixar as pessoas pobres ao deus-dará. Digo o seguinte: vamos fazer um choque de gestão e ter outras idéias do ponto de vista de melhor atender os destinatários.

O que você coloca como questão, que eu acho muito boa, é o discurso. Mas temos que confrontar o discurso com a realidade.


Folha - Então, a crise abre um espaço para que o discurso da direita moderna seja mais ouvido?

Rosenfield -
Disso estou convencido. O que me surpreende é que os partidos políticos ainda não tenham entrado nessa via. A crise do PT abre um espaço enorme para essa proposta que eu chamo de direita moderna.


Folha - E que não seja mais vista de forma pejorativa?

Rosenfield -
Sim.


Folha - Sua primeira resposta, quando perguntei se suas idéias eram de direita, foi defensiva, dizendo que, se fosse pejorativo...

Rosenfield -
Pois é, que poderia ser entendido como pejorativo...


Folha - Mas se eu tivesse perguntado a alguém se tais idéias são de esquerda, acho que essa pessoa não começaria se defendendo...

Rosenfield -
Exatamente. Estou de acordo com você.


Folha - Isso pode se inverter?

Rosenfield -
Acho ainda muito difícil. Se considerarmos as últimas eleições presidenciais, tivemos quatro candidatos de esquerda. Isso é único no mundo. Diria até patológico. Em nenhum lugar do mundo é assim. Aqui é. E por quê? Porque, aqui, todos dizem que ser de direita é pejorativo, né?

Mas podemos ter uma direita moderna identificada a um partido de centro. Uma direita moderna, atenta às questões sociais.


Folha - Em termos ideais, o sr. não concorda com que um Estado mais ausente deixa os "fracos" mais expostos ao domínio dos "fortes"?

Rosenfield -
Isso sim. Estou de acordo com você, mas depende da função reguladora do Estado. É uma questão que se coloca.


Folha - Podemos dizer que a direita está saindo do armário?

Rosenfield -
Se for uma direita moderna, vai saber sair do armário. Se não for, fica lá dentro. Porque as pessoas ficam identificando a direita com regime militar. Aí não dá, né? E deixa eu acrescentar uma coisa: se ser de direita significa defender as liberdades, então sou de direita. E por liberdades quero dizer as liberdades políticas, de opinião, de expressão, econômica e direitos civis.

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Despedindo-se do amor

Boa parte dos textos edificantes que me chegam por e-mail vão para o lixo, idem para os scraps de auto-ajuda com desenhos do Orkut. Porém, dependendo do remetente, alguns eu realmente leio. Hoje, abro um precedente reproduzindo um deles aqui. Embora não concorde 100% com ele -- será a falta física a mais "dilacerante", ou será, como creio, apenas a mais persistente? --, certamente é uma reflexão muito interessante.

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Existem duas dores de amor:

A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão embrulhados na dor que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também...

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguirem se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida... Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz parte de nós. Queremos, logicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente, eque só com muito esforço é possível alforriar.

É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a 'dor-de-cotovelo' propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: "Eu amo, logo existo".

Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente...
E só então a gente poderá amar de novo.

Martha Medeiros

"Munique" tem exatidão histórica?

Leia a resposta aqui: http://hnn.us/articles/21321.html.

Mas já antecipo que a resposta é "NÃO".

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Leitura indevida da semana

Semana de relatórios e trabalhos de pesquisa, devidamente negligenciados em favor de desordem de identidade dissociativa (as famosas "múltiplas personalidades") e suas possíveis relações com casos de possessão demoníaca ao longo da história. Tudo culpa de Hermínio Miranda, que tinha de escolher temas tão interessantes para seus artigos sobre fenômenos psíquicos. Assim não há mestrado que agüente!

E pensar que a primeira vez em que ouvi falar do tenebroso caso das freiras de Loudun foi em um exemplar daqueles gibis da velha Bloch Editores, "História Reais de Drácula"...

Um belo exemplo

Não há dúvida de que a pobreza é uma grande aliada da ignorância, mas algumas pessoas conseguem superar a aliança tenebrosa dessas duas condições. Este é mais um exemplo, e talvez seja também um lembrete de que, dadas certas condições mínimas, ser pobre não é uma desculpa para acomodar-se na falta de cultura.

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Folha de S. Paulo, 01/02/2006

LITERATURA SUBTERRÂNEA
Edifício do centro abriga no subsolo cerca de 3.000 livros,
que incluem obras de Kafka e Balzac

Sem-teto faz biblioteca em prédio invadido
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes ocupado por entulho, esgoto e água de enchente, o subsolo do edifício Prestes Maia, 911, uma das principais favelas verticais da cidade de São Paulo, agora abriga uma biblioteca com cerca de 3.500 obras, entre livros, revistas, gibis e enciclopédias.

A "reforma" foi feita por um grupo de sem-teto que invadiu o local em 2002 e mora ali em condições precárias -com ligações clandestinas de água e luz, divisórias de madeiras e um banheiro para cada 15 famílias, em média.

A biblioteca dos sem-teto, que funciona desde dezembro, tem mais publicações do que as salas de leitura de colégios municipais, que são entregues com acervo inicial de 2.000 livros.Entre os seus títulos, há obras de Machado de Assis, Mark Twain, Kafka, Balzac, Milan Kundera, Jorge Amado e Paulo Coelho e a coleção de Harry Potter.

O acervo do Prestes Maia foi formado com doações de uma ONG e de uma escola, mas também com publicações recolhidas no lixo. As prateleiras e os tapetes que decoram a biblioteca foram obtidos por doação.

O colégio Móbile foi um dos que deu obras aos sem-teto. A coordenadora de 1ª a 4ª série da escola, Eliana Tayano, diz que a doação de 600 livros é a primeira etapa de um projeto comunitário. "Nossa idéia é ir ao prédio para contar histórias", afirma.

O controle do empréstimo de livros na biblioteca é feito pelo catador Severino Manoel de Souza, 56, que tem um caderno para anotar as entradas e saídas.

Foi dele a idéia de fazer uma biblioteca no prédio. "Encontrava livros e não tinha coragem de mandar para a reciclagem", diz. Ele nunca freqüentou a escola e aprendeu a ler com "uma cartilha de ABC e a ajuda de um tio".

O devorador de livros do Prestes Maia é o ambulante Lamartine Brasiliano, 38, que lamenta que o lugar não tenha ainda obras do escritor Gabriel García Márquez (leia nesta página).Para incentivar a leitura, no subsolo está pichada uma frase do jornalista Paulo Francis: "Quem não lê não pensa, e quem não pensa será para sempre um servo". Há desenhos de Bob Marley e Che Guevara nas paredes.

Reintegração de posse
A biblioteca atende às 468 famílias que moram no prédio, ligadas ao MSTC (Movimento dos Sem Teto do Centro). Mas os habitantes podem não ter tempo de usufruir do acervo: a PM se prepara para fazer a reintegração de posse, autorizada pela Justiça, no local. O despejo deve ocorrer a partir do dia 15 de fevereiro.

As famílias se dividem nos 20 andares de dois blocos em locais parecidos com barracos, separados por pedaços de madeira e com poucos móveis. Os corredores são coloridos por roupas penduradas, e os vidros das janelas, quebrados, foram substituídos por papelão. A maioria dos habitantes trabalha como ambulante ou faz bicos.

Porém, diferentemente da maioria da população de baixa renda da cidade, que não tem acesso à cultura, as famílias do Prestes Maia vão freqüentemente à Pinacoteca do Estado. Em 2005, os sem-teto integraram o Programa de Inclusão Sociocultural do museu, onde estiveram sete vezes.