segunda-feira, maio 13, 2013
Jesus e a resistência ao mal
Uma das maravilhas de ter um leitor de livros eletrônicos como o Kindle -- e falo isso como um fã de livros físicos que sempre desprezou o oba-oba sofre o "fim do livro" -- é a possibilidade de acesso quase instantâneo a obras que, de outra forma, eu levaria pelo menos um mês para receber. O custo menor e a não ocupação de espaço físico também são ótimos atrativos. Consequentemente, a variedade do meu acervo digital é expressiva e, numa mesma sessão de leitura, posso navegar por uma dúzia de livros sem grandes problemas. Nisso, tendo planejado rever um livro para a minha tese, acabei dedicando minha tradicional leitura-em-viagem-longa-de-ônibus a um tema que sempre me intrigou: a não-violência nos ensinos de Jesus.
"Não resistir ao mal", "dar a outra face"... As passagens de Mateus 5:38-39 são conhecidas. O que elas querem dizer, nem tanto. Para uns, elas exortam ao sofrimento passivo, a uma forma de transcendência diante do sofrimento imposto por outrem; para outros, elas seriam uma recomendação impossível e ridícula de um rezador que buscaria noutro mundo o que deveria, minimamente, tentar construir no aqui e agora. Mesmo interpretações mais pragmáticas, como os comentários de Allan Kardec, partem da ideia da renúncia à vingança, que ainda é basicamente uma atitude negativa, um não fazer. Mas, então, o que se deve fazer? Como fazer cessar, por exemplo, uma agressão contínua ou uma situação injusta? No extremo, que resposta se deve dar à velha questão sobre o que fazer diante de Hitler?
Uma resposta muito interessante é dada por Walter Wink, autor do livro acima. Professor de Interpretação Bíblica num seminário de Nova York, Wink faz uma leitura dessas passagens a partir da resistência não violenta. Segundo ele, o ponto chave é a péssima tradução do termo antistenai, traduzido simplesmente como "resistir" (eu verifiquei uma dúzia de traduções inglesas, e não havia uma que fugisse ao padrão). Acontece que antistenai não significa qualquer resistência; ele se refere especificamente a uma resistência pela força, violenta, e no contexto bíblico é usada na maioria das vezes no sentido militar. (Ele não diz em que outros sentidos a palavra é usada, entretanto.) Por isso, Wink situa os exemplos que Jesus dá em seguida no contexto cultural da Palestina do século I, e o resultado é surpreendente. Mesmo achando que ele exagera em algumas coisas (ele era um ativista, parece), vale muito a leitura:
(Interessados em traduções alternativas dos Evangelhos devem dar uma olhada também nas de André Chouraqui. O que ele faz com o Sermão da Montanha, substituindo o tradicional "Bem-aventurados..." por "Em marcha..." é de arrepiar.)
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De http://www.cpt.org/files/BN%20-%20Jesus'%20Third%20Way.pdf.
TURN THE OTHER CHEEK
The examples that follow confirm this reading. "If anyone strikes you on the right cheek, turn the other also" (Matt. 5:39b). You are probably imagining a blow with the right fist. But such a blow would fall on the left cheek. To hit the right cheek with a fist would require the left hand. But the left hand could be used only for unclean tasks; at Qumran, a Jewish religious community of Jesus' day, to gesture with the left hand meant exclusion from the meeting and penance for ten days. To grasp this you must physically try it: how would you hit the other's right cheek with your right hand? If you have tried it, you will know: the only feasible blow is a backhand.
The backhand was not a blow to injure, but to insult, humiliate, degrade. It was not administered to an equal, but to an inferior. Masters backhanded slaves; husbands, wives; parents, children; Romans, Jews. The whole point of the blow was to force someone who was out of line back into place.
Notice Jesus' audience: "If anyone strikes you." These are people used to being thus degraded. He is saying to them, "Re-fuse to accept this kind of treatment anymore. If they backhand you, turn the other cheek." (Now you really need to physically enact this to see the problem.) By turning the cheek, the servant makes it impossible for the master to use the backhand again: his nose is in the way. And anyway, it's like telling a joke twice; if it didn't work the first time, it simply won't work. The left cheek now offers a perfect target for a blow with the right fist; but only equals fought with fists, as we know from Jewish sources, and the last thing the master wishes to do is to establish this underling's equality. This act of defiance renders the master incapable of asserting his dominance in this relationship. He can have the slave beaten, but he can no longer cow him. By turning the cheek, then, the "inferior" is saying: "I'm a human being, just like you. I refuse to be humiliated any longer. I am your equal. I am a child of God. I won't take it anymore."
Such defiance is no way to avoid trouble. Meek acquiescence is what the master wants. Such "cheeky" behavior may call down a flogging, or worse. But the point has been made. The Powers That Be have lost their power to make people submit. And when large numbers begin behaving thus (and Jesus was addressing a crowd), you have a social revolution on your hands.
In that world of honor and shaming, the "superior" has been rendered impotent to instill shame in a subordinate. He has been stripped of his power to dehumanize the other. As Gandhi taught, "The first principle of nonviolent action is that of non-cooperation with everything humiliating."
How different this is from the usual view that this passage teaches us to turn the other cheek so our batterer can simply clobber us again! How often that interpretation has been fed to battered wives and children. And it was never what Jesus intended in the least. To such victims he advises, "Stand up for yourselves, defy your masters, assert your humanity; but don't answer the oppressor in kind. Find a new, third way that is neither cowardly submission nor violent reprisal."
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