Um fenômeno que tem me incomodado. Os frutos amargos disso já se veem nos EUA, mas a coisa tem chegado aqui também. Vejo no
Facebook, entre meus contatos, colegas e até amigos entrando nessa onda. Toda
acusação contra o "inimigo", seja na forma de texto ou meme, é
verdadeira a priori; enquanto isso, acusações contra sua facção
favorita é sempre calúnia e perseguição. Parte-se do princípio de que todos
somos obrigados a apoiar o lado da "verdade", ou nos calarmos; e quem
não é parte da "solução", só pode ser do problema. E viva o pensamento
em clichês e a "crítica" de manada, a vitimização perpétua, o
maniqueísmo essencialista. Não importam tanto as instituições, mas contra quem
elas são usadas; a Polícia, por exemplo, sempre terá razão se o acusado for um
oponente, e será sempre serva do Establishment mal
intencionado se o acusado for um aliado. Qualquer versão díspare ou dúvida
levantada é "manipulação", seja do Partido da Imprensa
Golpista (PIG) ou da mídia chapa-branca. E tome
"isenção" e "pensamento crítico", sempre alimentado
nas mesmas fontes, nas mesmas premissas, e invariavelmente com os mesmos
resultados. A verdade não pode ser eclética, o mundo não pode ter várias cores,
os problemas não podem ser complexos... Enquanto isso, na vida real, o mundo
segue pobre de boa vontade, instrução e -- palavra antiquada e risível -- amor,
até. Em vez disso, incivilidade, propaganda, superficialidade e ódios
articiciais cultivados online. É essa a tão falada "conscientização"?
O tipo de cidadania que queremos?
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Pedro Doria
Tempo de radicais
O diálogo político se tornou impossível. Ninguém mais busca o meio termo. E parte da culpa é da internet.
O incômodo é visível. Em sua coluna na Folha de S. Paulo, o veterano jornalista Luiz Caversan anunciou que pretendia tirar férias de Facebook. O radicalismo das pessoas na rede está intolerável. Em um artigo recente, Frei Betto foi outro a se queixar dos radicais à esquerda e à direita. Cá no GLOBO, ontem, Ricardo Noblat desdenhou do país onde, on-line, “se torce apenas pelo cordão vermelho ou pelo cordão azul”. Míriam Leitão foi uma das primeiras, uns domingos atrás. Os radicais, em sua opinião, pioram a qualidade do debate. A polarização política é um fenômeno muito mais nocivo do que parece. Não é um fenômeno apenas brasileiro. E, não à toa, coincide com a popularização da internet. A tendência, aliás, é de que piore.
Em Israel, a esquerda foi sufocada e o governo de direita se radicalizou como nunca na história do país. Na Espanha, da virada do século para cá, o espaço de diálogo entre eleitores do socialista PSOE e do PP praticamente se extinguiu. Idem nos EUA, onde republicanos e democratas não se entendem desde o dolorido embate eleitoral que culminou com a questionável eleição de George W. Bush, em 2000. Este período, entre finais dos anos 1990 e o início da década seguinte é marcado pelo surgimento dos blogs e, com eles, as caixas de comentários. A partir daí, o crescimento das redes sociais. Não há coincidência.
Polarização não ocorre apenas quando o centro desaparece. A coisa é mais complexa. É natural que todos tenhamos paixões por certos temas. Pode ser o casamento gay para um, educação para outro, política econômica na cabeça do terceiro. Duas ou três questões costumam nos ser caras. Para as outras, na maioria das vezes somos ambivalentes, no máximo simpáticos a uma opção.
Quando o ambiente se polariza, porém, as pessoas se alinham a um ou outro grupo ideológico. Sentem-se na obrigação de defender até aquilo que não lhes é caro. O resultado é que as possibilidades de diálogo desaparecem. Afinal, quando tudo é muito importante, ninguém cede. Acordos tornam-se inviáveis.
Jogue “polarização política” no Google, porém, e poucos artigos científicos aparecerão. O tema mais definidor da política brasileira no momento é pouco estudado. Talvez porque, polarizadas, as pessoas que se interessam por política andam mais preocupadas em derrotar o outro lado do que dar um passo atrás e perceber que há algo de errado.
Nos EUA, onde o número de cientistas é inacreditável e tudo se estuda, já há pistas fartas. A primeira é que, para a maioria das pessoas, nada mudou. A população continua onde sempre esteve, não se radicalizou. Quem se radicalizou foi o pequeno grupo de eleitores que mais acompanha política. Como é para este grupo que políticos costuram seus discursos, também eles tornam-se mais radicais. Um estudo do professor Markus Prior, da Universidade de Princeton, avaliou se houve mudança na imprensa nas últimas décadas. Não a descobriu na imprensa tradicional: a cobertura dos fatos, nos EUA, se dá por um ponto de vista de centro. Nas páginas editoriais há uma tendência ligeira à esquerda, mas pouca. Não é assim, lá, para a imprensa que surgiu mais recentemente: canais a cabo de notícias, por exemplo, além de sites e blogs. Aí é tudo extremo, à direita ou à esquerda.
A internet cria o que o ativista Eli Pariser, autor do livro The Filter Bubble, chama de bolha. Lá, as pessoas procuram apenas aqueles sites onde lerão o que reitera suas crenças. Quando comentam em comunidades nas quais todos concordam, só há uma maneira de se destacar. Ou seja, sendo mais puro ideologicamente.
Na opinião de Pariser, aquela que já é uma tendência humana é amplificada pela maneira como a internet contemporânea funciona. Facebook e Google aprendem com aquilo que curtimos, clicamos, lemos, comentamos. Como querem nos ajudar a encontrar o que nos interessa, mostram mais do mesmo. E mais do mesmo é a reiteração da bolha. Lemos tanta gente com quem concordamos que o diálogo com os outros vai ficando mais difícil.
É uma febre. Depende de cada um escolher alimentá-la ou buscar o diálogo com quem discorda.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/tecnologia/tempo-de-radicais-10880244#ixzz2m3XpvZJF
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